Sede a Sós

Postado por NaNa Caê quarta-feira, 27 de julho de 2011 03:04:00

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Minha boca dói porque você não soube trazer torneiras pra dentro desse quarto. Pedi por água, qualquer gota de cuspe seu. Continuo meio sedada, sentada, quase caída, melhor dizer descansada do que esgotada no canto em que você escolheu. Melhor dizer, do que sonegar, chorar pra você abrir minha boca selada com esse nada, cola de vazio, zíper de ódio, deixar parecer que está fazendo um grande favor.

Espremo os lábios feito feridas infeccionadas, pra ver se abre algum espaço e dali sai minha língua feito pus. Mas só aparecem ratos, espasmos condizentes de horas a mais de horror, fragmentos esponjosos que confundo com pequenos poros, buchas que ponho sobre a pele, esfregando como se fizesse um som de isopor, rangendo qualquer superfície a ponto de esticar os pêlos, arregaço então mais as mangas, os puxo feito elástico como se esticassem a dor.

Enquanto você inventa personagens e se espelha neles, sou apenas um reflexo dos meus. Não consigo criar mais nada assim calada, não sei imaginar algo sem ler em voz alta, o que acaba secando minha mente. Preciso de algum líquido mais forte, conhaque ou vodka, que preencha de vez os cômodos, infiltre as paredes até que elas se encharquem e me tussam para fora dessa casa.

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[Ouvindo: Cat Power - Fool]

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A Casa Parece Nova Sem Você

Postado por NaNa Caê quarta-feira, 20 de julho de 2011 22:33:00

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Tingi de negro, entre as letras já escuras, como se fosse necessário as esconder, de mim, de você, do nós.

Molhei com leite seus manuscritos feito bolacha maizena como se fosse mais fácil assim os digerir.

Bati sua cabeça no tanque até todo sangue escorrer pelos olhos, enchendo dois baldes azuis e um anil.

Pintei as paredes de vermelho como pediu, pena que não está mais aqui para ver o esforço que fiz por você.

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[Ouvindo: Thiago Pethit – Sweet funny melody]

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Poliedros Conjugados

Postado por NaNa Caê sexta-feira, 8 de julho de 2011 04:00:00

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Sua graça não caminha pela casa
Se move blindada em abstrações
Irrelevantes são as coisas
Da cabeça
Estantes
Livros esquecidos
E todos os outros móveis que continuam no mesmo lugar
Assim como eu
Aqui
Onde a cama ainda é cama
E a TV televisão
Na sua ausência digo seu nome baixo
Não ao teto ou ao quebrado espelho
Mas à porta
Cristalizando ali sua presença
Te vendo em cada prisma
Refletindo
Diagonalmente a múltipla esperança
Numa perplexidade boba e infantil

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[Ouvindo: William Fitzsimmons – You still hurt me]

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Pés de Gelo

Postado por NaNa Caê quinta-feira, 7 de julho de 2011 03:32:00

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No fim das pontas há pedaços de durex pra que elas passem com facilidade entre os pequenos buracos do tênis e mesmo assim continuo a pisar, no cadarço, em pessoas por aí. Esse parece ser o melhor modo de aquecer os pés, em vez do chão frio fico por cima delas, são quentinhas que nem bauru feito na hora.

No fim das honras, em ocasiões especiais, me arrisco a andar descalça sobre as costas de algumas pessoas, principalmente quando você diz que vai dormir comigo, como poderia subir na cama com pés gelados?  Logo cedo eles derreteriam e com o lençol encharcado poderíamos morrer afogados.  

No fim das dobras ainda sou naife, quebro duas ou três costelas em que vou pisando enquanto esquento o calcanhar, elas emborcam para fora como farpas e me arranham. Tenho acordado sempre com vergões, amanhece, finjo que fui eu mesma e ainda penso ‘preciso cortar as unhas’, sendo que o ideal seria o corpo todo, acabar com essa aflição.

No fim das contas não há números, e mesmo que houvesse, eu nunca fui boa em calcular. Só sei que você faz falta, não me pergunte por quanto tempo, são tantas horas seguidas a cada dia.

Quando você não está por perto deslizo pelas ruas com meus pés de gelo fingindo ser um elegante patinador.

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[Ouvindo: Tiê – Só sei dançar com você]

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