Acordei Para Você

Postado por NaNa Caê segunda-feira, 30 de agosto de 2010 11:42:00

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Tive mais um sonho ruim, mas quando que meus sonhos não seguem essa linha, não é?

Sonhei que eu estava na minha cidade, mas lá tinha praia, as vezes parecia Ipanema com certa mistura de Boa Viagem.

Fui com parentes. Havia algumas presenças desconexas, conhecidos de vista, pessoas com quem já namorei, você não estava lá, não fisicamente, não sei como explicar, talvez em algum hotel, a minha espera, não apareceu nitidamente em nenhum instante no meu campo de visão.

Eu estava na praia e de repente o mar explodiu, a água pegou fogo, eu corri, minha avó correu, e isso foi engraçado pra mim, não pro meu eu personagem que sofria ali, fugindo das chamas do mar, mas pra mim terceira pessoa, que via tudo acontecer. E ela correu mais que eu, roubou um carro e nos salvou.

Você novamente não apareceu, acho que nem existia naquela situação, mas durante todo tempo minha maior preocupação era se estava bem.

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[Ouvindo: Noah and The Whale - Mary]

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Três

Postado por NaNa Caê terça-feira, 24 de agosto de 2010 16:34:00

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Sinto tanta falta de tanta gente, tantos lugares que seria melhor nem sentir.

Sinto falta de tantas músicas que eram cantadas, escutadas a dois, no máximo três que é melhor agora nem lembrar que já ouvi.

Sinto falta de tanta coisa que eu nem me lembro mais, eu sinto, não sei o quê, nem o porquê, mas chega e arrasta meus pulsos no chão.

E os que passam pensam em solidão, depressão, mas são pulsos soltos, moles, frágeis, que não se importariam de ser segurados firmemente pelo menos uma vez ao mês. A força me alegra, me chama para briga, me derrota, doa pontos as vezes para eu ficar um pouco mais feliz.

Falamos de crianças como se não fossemos infantis, como se estivéssemos disputando quem voa mais alto no balanço, sendo que sabemos que desastrosamente sempre caímos de costas no chão.

Empurramos o medo com a barriga, enchemos a barriga com qualquer besteira, nos enjoamos de desculpas para podermos vomitar com maior facilidade todo resto ressentido.

Para os braços nunca marcamos hora na agenda, compromissos, estão sempre ocupados segurando o mundo junto com as mãos.

Mas ainda somos minúsculos, quase ninguém, e as mãos, pequenas, não importa o tamanho do coração, da força, ou da rapidez, elas ainda não poderão segurar todo peso por alguém, e isso inclui você.

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[Ouvindo: Yeah Yeah Yeahs - Maps]

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Dois

Postado por NaNa Caê domingo, 8 de agosto de 2010 19:53:00

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Descobri que quando ele morrer  vou chorar, não de saudade, mas por lembrar de hoje, o dia em que percebi que nunca o amei.

E todos os parentes vão me ligar para oferecer pêsames como se fossem verduras sendo jogadas em péssimos atores de teatro, tomates lançados na cara, deixando meu rosto mais vermelho ainda de raiva.

E eu com certeza me sentiria mais confortável se estivesse em palco, apresentando uma peça de balé, vestida de palhaça, enfiando o dedo do pé no nariz em vez de estar ali me fingindo de infeliz.   

Os primos, todos casados com aquelas segundas esposas, crianças, de vinte e poucos anos apenas cronológicos, darão tapinhas nas minhas costas, e eu sentirei como se fossem os socos dele, tentando ainda assim me derrubar.

O pior serão as lembranças, anteriores as de hoje que me pareciam tão esperançosas, mas agora se mostram como coisa qualquer, ventilador, parede, grama, colher, espaço em branco, totalmente vazio, folha de caderno pronta pra ser amassada, jogada fora ou enfiada na boca dele, até engasgar, ficar sem ar e realmente partir. 
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[Ouvindo: Yann Tiersen - Dishes]


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Um

Postado por NaNa Caê quinta-feira, 5 de agosto de 2010 08:23:00

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Dedico as próximas seqüências de “mini textos escrotos” apenas a mim, por ter suportado todos vocês. Não admiro esse adjetivo entre aspas, na verdade não gosto dele nem um pouco, e é por isso que se encaixa tão bem aqui, por que é precisamente isso que sinto pelo que escrevi.

Sabe quando você fica com ódio, mas tanto, que uma veia abaixo do seu olho estoura e então parece realmente que você está chorando sangue? É nesse momento que você descobre que não poderia deixar algumas desgraças passar em branco.

Sabe quando você chora muito e já não sabe diferenciar o que é lágrima de catarro e saliva? É nesse período que você precisa se mover, não metaforicamente ou de modo abstrato, “mova sua mente meu filho”, “evolua rapaz". Não, aprendizados assim servem perfeitamente apenas para burros e isso seguramente eu nunca fui.

Quando uma mãe pede para o filho resoluções ou pelo menos justificativas por tê-lo criado mal, soa como uma piada-pergunta desesperada das mais sem graças. Por que ele recebe na boca o certificado de animal, enrolado, amarrado em uma fitinha azul, como se fosse um diploma, “cachorro pessimamente domesticado.”

Mas o meu medo real é o de não poder frear, não com o ódio, por que eu não me importaria caso ele decidisse me acompanhar pelo resto da vida. O meu medo nasce das besteiras, não daquelas pequenas, balinhas e chicletes. Tenho receio de não poder parar entre os intervalos do trabalho, ir em casa por exemplo para cochilar.

Eu necessito de pausas para não correr de mim, se os passos são longos e rápidos eu logo piso no cadarço e beijo o chão. Sempre tive pavor de lamber o asfalto, não pelo gosto, esse sabor conheço bem, e muitas vezes fingi para mim mesma que estava sentada, na mesa de algum restaurante, sorridente, comendo sushis, mas a língua na verdade tocava o piche, se enroscava nas pequenas pedrinhas e eu tossia poeira, não da vermelha, a do meu cigarro que não sabe parar apagado.

Eu finjo também que penso, quando na verdade eu bem mais que desejo, a sustentabilidade das palavras, não me refiro a estruturas espirituais, de ética ou moral. Preciso que cada palavra que escrevo se transforme em roupa, comida, o recibo do meu pagamento do aluguel de fim de mês.

Se quase todos que dormem com as letras, as engolem, mastigam até o que seria impossível ali consumir, sempre encontram a idéia genial, por que diabos eu também não posso tê-la?

Se for esforço que me falta eu corro então mais ainda, por que preciso sobreviver das loucuras que planejo, preciso colocá-las todas no papel e faturar alguma coisa disso.

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[Ouvindo: White Lies - E.S.T]

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