Dois

Postado por NaNa Caê domingo, 8 de agosto de 2010 19:53:00

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Descobri que quando ele morrer  vou chorar, não de saudade, mas por lembrar de hoje, o dia em que percebi que nunca o amei.

E todos os parentes vão me ligar para oferecer pêsames como se fossem verduras sendo jogadas em péssimos atores de teatro, tomates lançados na cara, deixando meu rosto mais vermelho ainda de raiva.

E eu com certeza me sentiria mais confortável se estivesse em palco, apresentando uma peça de balé, vestida de palhaça, enfiando o dedo do pé no nariz em vez de estar ali me fingindo de infeliz.   

Os primos, todos casados com aquelas segundas esposas, crianças, de vinte e poucos anos apenas cronológicos, darão tapinhas nas minhas costas, e eu sentirei como se fossem os socos dele, tentando ainda assim me derrubar.

O pior serão as lembranças, anteriores as de hoje que me pareciam tão esperançosas, mas agora se mostram como coisa qualquer, ventilador, parede, grama, colher, espaço em branco, totalmente vazio, folha de caderno pronta pra ser amassada, jogada fora ou enfiada na boca dele, até engasgar, ficar sem ar e realmente partir. 
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[Ouvindo: Yann Tiersen - Dishes]


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