Desmembrando Passos

Postado por NaNa Caê quarta-feira, 19 de outubro de 2011 16:18:00

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O homem precisa de uma memória melhor pra lembrar dos erros que todos já passaram e não dar de cara com eles num labirinto.

O homem precisa não apenas pedir, ouvir e deixar entender depois conselhos. É necessário pulso firme pra andar de quatro, suportar o peso do próprio corpo enquanto obrigam-no a rastejar.

O homem precisa relevar os seus interesses e se preocupar mais com as vontades, Schopenhauer não estava brincando apenas de poesia sem rima.

O homem é preciso nas suas súplicas, mas disperso no caminho das soluções, a cada estrada adentra correndo como se não houvesse o que perder. Pés, pernas e joelhos em armadilhas, corpo inteiro em areia movediça.

O homem é mentiroso no amor e na euforia sentimental. Ao nascer fatia o coração em centenas de porções, é mais seguro dar cubos do peito a várias paixões resolvidas do que tudo pra um possível amor.

O homem não precisa de ninguém, se sustenta sozinho, olha no espelho e se devora, mas esquece que está comendo seus próprios nervos, antecipa sua morte como ser.

O homem não precisa de verdades, ganhou uma caixa cheia delas logo ao nascer. Quando é do seu interesse distribui uma ou duas como lição de moral, experiência já madura de vida.

O homem não está nem aí pra o que você sente, canta ou escreve, a não ser que ele se identifique, sofra do mesmo humano-caminho-clichê.

O homem não é lobo, parece mais um monstro que se disfarça de cachorro, finge ser amigo, mostra carinho falso, verdadeiro, o que melhor gerar um clímax pra uma trágica posterior dor.

O homem talvez não seja um, mas sim dois, dançando juntos a valsa das máquinas e outras danças amargas, sob o ritmo de enxadas que cortam pés que desejam ir longe demais.

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[Ouvindo: Arctic Monkeys - 505]

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V. G.

Postado por NaNa Caê segunda-feira, 17 de outubro de 2011 18:47:00

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Consolar a mortalidade é encontrar um local onde possa destruir a si mesmo sem arrependimento, drenar a mente transbordante de orgulho e desumidecer o verde áspero cheio de enxofre.

Sob um mapa cínico de sofrimento pego toda sujeira do chão e a como. Engulo suas pegadas como um pedido de volta. Engulo seus rastros porque é isso que me faz melhorar. Não posso começar de novo com você por perto.

Com minha maturidade arrogante exorciso ciúmes, domestico alergias a expansões mentais.

Estou tentando me recuperar como quem pula em direção à água fria e no ar se arrepende, sabe que precisa voltar para não morrer congelado. Mas como pausar o corpo e dar continuidade ao tempo até o rio secar?

Estou absorvida em um plano imerso que me dificulta enxergar o mesmo que você. Estou diametralmente oposta, misturada à asfixia de uma sólida e retorcida parede, pesando sobre mim.

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[Ouvindo: Madeleine Peyroux - No More]

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Imbuindo

Postado por NaNa Caê sábado, 15 de outubro de 2011 09:15:00

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Você explicou como funcionava cada órgão meu com as mãos, eu não soube lidar com os sintomas, as contrações de amor, pulsações mais rápidas do coração. Tornei-me contorcionista de chão, quando se afastava me retorcia lambendo azulejos e poeira, não importava mais se eram limpos, se estava no banheiro ou no quarto-sala-tudo-nosso. Aproveitei e inundei os cômodos de choro, me esforcei e lavei, mandei embora o que na verdade eu sabia que futuramente não iria suportar. Sequei gota por gota com o cabelo. Nenhuma mecha foi poupada, espremi até sair o último pingo de sal.
Comi batons na ausência do café, almoço e jantar, comi você na esperança que sobrasse mais tempo para nós. Restou-me a lembrança de sucos amargos amenizados por sacas de açúcar, mais acerbos ainda. Não sei o que foi pior.
As formigas me devoraram, não de uma só vez, não eram tubarões. Piscava e me levavam o estômago, uma mão, não lhe dei tchau, pisquei, comeram meus tímpanos, você sorriu pra mim, pisquei, comeram meus olhos, bati na mesa, nos copos, derramei o derretido gelo, bati em você, depois em mim, por dentro, encontrei paredes quentes, achei que não conseguiria mais sair dali, corri, porque é nisso que sou boa, em ser leve por aí, pisquei, já não sei se elas devoraram meu coração ou você o levou de mim.

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[Ouvindo: Cat Power - Blue]

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Conte Comigo, Até Três.

Postado por NaNa Caê 08:57:00

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1.
Vejo em seus olhos pontinhos claros, velhos, secos, como árvores despedaçadas pelo tempo, pelo vento, por nós torcendo caules durante madrugadas. Vejo em seus olhos três pontinhos, que nos permitem não pararmos por aqui.


2.
Não acredito que vou dormir mais uma noite sem você, não acredito em muita coisa que já falei por aí, mas todas que eu disse pra você eram verdade e continuarão a ser.

Mesmo que eu não esteja, mesmo que eu não seja tudo aquilo que a gente tentava crer.


3.
Não há o que esperar quando se abandona alguém de verdade, sem a possibilidade de uma cena teatral ou um até a próxima vez. Não há o que se ter quando se doa tudo o que aprendeu. Não há o que se desejar quando muito daquilo já se teve.

Não há você e eu juntos, sobrou apenas restos de pedaços meus e seus por lugares, filmes não vistos e livros indicados.

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[Ouvindo: Beatles - Something]

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Há Que Se Entender

Postado por NaNa Caê 08:43:00

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Quantos cigarros você acha que seriam necessários pra esquecermos todos os desequilíbrios? Quando não é você errando sempre aparece alguém pra cumprir seu papel de infrator. Não há o que sustente sua paz, você bem sabe que precisa de tudo de pernas pro ar, assim é mais fácil foder a vida, não existe aquela necessidade chata de ficar gastando os músculos, causar contusões, convencer através da força pra ela te dar sem gritar, contar pro irmão mais velho, o pai e depois sofrer com a sua cabeça sendo cortada com a faca de mesa da mãe.

Você sorri, claro, é educado, tenta se vestir bem, mostra qualidades, os defeitos escreve em cadernos e depois queima cada folha chorando, como se colocasse fogo em seus próprios membros. Porque não ateia fogo em si mesmo? Se é tão bom em suportar e fingir, vamos fazer de conta que é alguma muçulmana suicida. Exploda seu crânio junto ao botijão, se destrua primeiro antes que estrague a vida de mais alguém.

As pessoas te olham torto na rua como se conseguissem torcer seu pescoço só de te ver passar, você torce pra que elas te esqueçam, não tem como cobrir os cortes na cara de raspão, todas acordam e já vão escovar os dentes, encaram no espelho as cicatrizes que você criou.

E as suas? As transplanta também pra poemas cheios de metáforas bonitas e depois os engole? Da descarga ou enterra no jardim? Seu cachorro não aguenta mais cavar o gramado, enfileirar as desgraças que você fez. Comece a esquecê-las na gaveta como suas coleções antigas, já que pra você são apenas dores passadas.

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[Ouvindo: The Dead Weather - Treat Me Like Your Mother]

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Nada é Preciso

Postado por NaNa Caê 08:23:00

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É preciso se justificar não apenas nos atos, mas também perante silêncios, ausências ou na própria escrita.

É preciso o modo como a raiva chega contaminando as veias dos olhos, as fazendo latejar, vermelhas.

É preciso que se levante a cabeça, bata no peito feito macaco-alfa e urre os seus quereres.

É preciso que durma, feche os olhos pelo menos, finja um cochilo para desconvidar brigas noturnas.

Às vezes é preciso mais paciência do que amor.

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[Ouvindo: The Dead Weather - So Far From Your Weapon]

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